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MULHERES COMANDAM 31% DAS PROPRIEDADES RURAIS NO BRASIL; VEJA OS ‘SEGMENTOS MAIS FEMININOS

Em Minas, quase 60% delas estão na coordenação de atividades de pecuária e criação de outros animais.

Um fenômeno sólido e crescente no mundo inteiro é a busca de mulheres por espaço e representatividade em diversas áreas. Neste 26 de agosto é celebrado o Dia Internacional da Igualdade Feminina. A data, que surgiu em 1973 nos EUA para relembrar o movimento sufragista, não é apenas uma oportunidade para refletir sobre o avanço na conquista de direitos femininos, mas serve também para destacar os desafios para atingir os objetivos globais de equidade de gênero. Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado em 2023, mostrou que as agricultoras recebem 20% a menos do que os homens – US$ 0,82 para cada US$ 1 pago a trabalhadores do gênero masculino.

Por muito tempo, as mulheres no agronegócio foram vistas apenas como filhas, esposas ou herdeiras de proprietários rurais. No entanto, o papel delas nas atividades do campo sofreu uma transformação nos últimos anos. Atualmente, a inserção feminina é destaque desde o preparo do solo até a gestão de grandes negócios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em março de 2022, 31% das propriedades rurais no país são comandadas por mulheres. O número é mais que o dobro do observado em 2006, quando 13% estavam na direção dos trabalhos em estabelecimentos agrícolas.

Em Minas Gerais, onde o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio alcançou R$ 228,6 bilhões em 2023 e representou cerca de 22% do indicador econômico do Estado – R$ 1,028 trilhão -, a participação feminina nos negócios do campo saltou 46% em uma década, conforme o último Censo Agropecuário, realizado pelo IBGE. Em 2006, eram 59,3 mil estabelecimentos agropecuários liderados pelo gênero feminino no Estado. Em 2017, última atualização, o dado já correspondia a 86,7 mil. Quase 60% dessas mulheres estão na coordenação de atividades de pecuária e criação de outros animais.

No território mineiro, o grupo de mulheres mais ativo na liderança rural é o acima de 55 anos, segundo o Observatório das Mulheres Rurais do Brasil, realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e divulgado em 2022. O levantamento mostrou que quase 55% dos estabelecimentos são geridos por esse público. “A maioria dessas mulheres sempre fez parte dos processos agrícolas, da produção, colheita, cultivo e comercialização. Mas elas não tinham noção do trabalho e do valor delas dentro da cadeia,” explica a gerente da Mulher, do Jovem e de Inovação da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Silvana Novais.

Conforme Silvana, em 2004 a entidade começou a desenvolver estratégias para estimular as mulheres a exercer a liderança no campo. “O objetivo era voltar o olhar para elas, mostrando-as como era importante o trabalho delas. Tentamos passar para elas que a busca pela representatividade feminina não significava uma competição com os homens. A ideia era que elas se enxergassem como parte essencial do processo. Aos poucos, notamos o despertamento delas e como estavam se organizando em vários grupos, pelo estado inteiro e em cadeias diferentes, principalmente na cafeicultura – símbolo da agricultura em Minas, uma vez que o Estado é o maior produtor desse tipo de grãos do país.”

A paixão pelo café é o que há décadas move Maria José Vilella Rezende, de 72 anos. Ela comanda a Fazenda dos Tachos, em Varginha, no Sul de Minas. A propriedade é conhecida internacionalmente pela produção de cafés especiais. Dona de uma marca própria – a CaFÉ Mulher – e também à frente da linha principal do grão, que leva o nome da fazenda, dona Zezinha – como é conhecida – dá continuidade ao cultivo e fabricação do grão, que segue por gerações de sua família desde 1900.

“Em 2017, eu montei uma cafeteria aqui na fazenda. Foi a primeira da região. Então a gente recebe muitas pessoas, inclusive estrangeiras, que vêm tomar café e conhecer as etapas desde o plantio até a comercialização do grão. A gente faz tudo aqui. Mas o que mais gosto é de mexer com o café torrado e embalá-lo,” revela a cafeicultora.

Dona Zezinha também é coordenadora de um grupo chamado Flores do Café, composto por mulheres que trabalham na cafeicultura. “A gente aprende muito e troca experiência. Mas nem sempre foi assim. No início, quando comecei a buscar conhecimento só tinha eu de mulher nas palestras e nos dias de campo. Agora vejo um crescimento feminino no agronegócio. Elas estão entusiasmadas com isso e olhando para o café por um ângulo diferente. A verdade é que a mulher sempre trabalhou com café, só que antigamente ela colhia, manejava e até servia, mas não se via como cafeicultora.”

O diferencial feminino na produção de café, segundo Zezinha, é que as mulheres são mais detalhistas. “Nós temos um capricho único. Isso é muito importante principalmente para os cafés especiais.”

Impulsionamento

As transformações sofridas pelo agronegócio ao longo do tempo, incluindo a digitalização e a tecnificação da agricultura, o refinamento da gestão de projetos agrícolas e a conexão tecnológica do setor produtivo, contribuíram para a inserção feminina na gestão do campo. Ao menos essa é a visão da coordenadora do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Talita Priscila Pinto. “Foram muitas mudanças estruturais dentro do próprio setor que permitiram que as mulheres cada vez mais ocupassem cargos de liderança no agronegócio. Então, se no passado o ramo era visto como uma atividade mais manual, hoje a automação dos processos comporta e acomoda muito mais a presença feminina.”

Quem impulsiona a participação de mulheres nas atividades do campo é Hilda Loschi, vice- presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros, Norte de Minas. Aos 60 anos, ela administra fazendas voltadas para fruticultura (banana, uva e limão orgânico) e pecuária de corte. Segundo a produtora, 40% da equipe que trabalha nos mais de 500 hectares de plantação é feminina.

Loschi é formada em agronomia e integra a terceira geração de uma família de produtores rurais. Há três décadas, depois do falecimento do marido, ela teve que assumir o controle dos negócios e da fazenda. Depois de enfrentar uma depressão severa, Hilda começou a se deparar com as dificuldades de ser uma mulher à frente de um negócio agropecuário. “É lógico que há algumas barreiras. As pessoas tentam se aproveitar da situação, perguntando se quero vender a fazenda ou se opõem a tratar de negócios com uma mulher. Ainda há discriminação dissimulada, o que é uma triste realidade.”

Sucessão e conhecimento

Morar e criar os filhos na zona rural sempre foi o sonho de Rowena Petroll. O projeto de vida dela deu ainda mais certo e há 37 anos, ela administra a Fazenda Rio Grande, que faz cultivo irrigado e de sequeiro em Paracatu, no Noroeste de Minas. Aos 61 anos, ela também preside a Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de MG (Irriganor). Descendente de imigrantes alemães e nascida no Sul do Brasil, a gestora conta que a ligação afetiva que sempre teve com o campo foi compartilhada com os filhos. “Se quando pequenos eles já desenvolvem essa paixão, fica mais fácil fazer a sucessão do negócio. Hoje meus filhos são os acionistas da nossa holding familiar, e eu sou a conselheira deles,” afirma Rowena.

 

Para Petroll, a chave para o sucesso da mulher no agronegócio é a qualificação. “A gente abre as portas da nossa fazenda várias vezes no ano para receber jovens estudantes. E eu sempre falo para as moças, empoderamento feminino chama-se conhecimento. Então não acredito no êxito se a mulher não estiver muito alinhada, estudando sobre a atividade e se inteirando de novas técnicas, porque os negócios do campo são muito dinâmicos. Mas não é só no agronegócio. Acho que para se destacarem em qualquer lugar, as mulheres precisam estar habilitadas,” finaliza.

Redes de apoio

Assim como Rowena, muitas outras mulheres estão espalhadas pelo campo, mas agrupadas em redes de apoio. A Associação Filhas do Agro (AFA), por exemplo, abraça cerca de 60 agricultoras do Noroeste de Minas. A organização é acompanhada, desde 2020, pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que oferece capacitação para as integrantes. “Nosso objetivo é qualificar esse grupo, trabalhando as ferramentas de gestão para o agronegócio, a fim de que se sintam cada vez mais preparadas para estar à frente dessas propriedades rurais. Temos um plano anual, em que a gente senta, entende as necessidades delas e traça algumas metas,” explica a analista do Sebrae-MG Patrícia Rezende.

Maria Elisa Fernandes coordena o grupo Mulheres Agro da Universidade Federal de Viçosa – campus Rio Paranaíba-MG, voltado para o público feminino que atua na cadeia do café. “Temos mulheres que estão no campo, no escritório, na fazenda, consultoras, baristas, que estão retornando para as atividades rurais, filhas na sucessão familiar, dentre outras. Algumas estão em transição de carreira, outras já passaram dos 50 anos, se aposentaram, mas de repente percebem que ainda estão ativas e que podem liderar negócios.”

Busca por equidade

Um fenômeno sólido e crescente no mundo inteiro é a busca de mulheres por espaço e representatividade em diversas áreas. Neste 26 de agosto é celebrado o Dia Internacional da Igualdade Feminina. A data, que surgiu em 1973 nos EUA para relembrar o movimento sufragista, não é apenas uma oportunidade para refletir sobre o avanço na conquista de direitos femininos, mas serve também para destacar os desafios para atingir os objetivos globais de equidade de gênero. Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado em 2023, mostrou que as agricultoras recebem 20% a menos do que os homens – US$ 0,82 para cada US$ 1 pago a trabalhadores do gênero masculino.

 

Por Nubya Oliveira – Jornal O Tempo.